O Design das Peças de Xadrez

O modelo Staunton

6 min readSep 13, 2021

--

Desde o seu predecessor indiano, o chaturanga, passando pela cultura persa e árabe até chegar à Europa, o design das peças de xadrez sofreu diversas transformações ao longo de sua trajetória. Graças a colecionadores e ao trabalho de arqueólogos, conseguimos ter contato com peças antigas e entender a influência da cultura de um povo sobre o estilo de suas peças.

Na cultura árabe, por exemplo, os formatos das peças eram baseados em formas geométricas, não continha representações figurativas, referências que esteticamente não são permitidas na cultura muçulmana.

Em 2017, os arqueólogos descobriram uma peça de xadrez de 800 anos na Noruega

Quando o xadrez tem contato com a cultura européia, continua sofrendo uma nova série de alterações até chegar ao modelo que conhecemos hoje. Podemos categorizar o design das peças de xadrez em duas vertentes:

  • Peças ornamentais, são decorativas e muitas vezes temáticas, hoje em dia encontramos peças que fazem referência à cultura pop, como “Os Simpsons” e “Star Wars”.
  • Peças funcionais, projetadas para jogar. A ergonomia, formato, peso, tamanho, são atributos levados em consideração para garantir a boa jogabilidade da partida.

As peças funcionais

No século XIX, o xadrez já era um jogo muito difundido e popular na sociedade européia, as regras do jogo já estavam estabelecidas como conhecemos no xadrez moderno. Até esse período, não havia um modelo padrão de peças funcionais, apenas alguns modelos que eram mais usuais do que outros.

Mesmo esses modelos não eram projetados com a ergonomia e jogabilidade adequadas. Tanto a proporção quanto o peso, formato do tabuleiro e a forma das peças eram questionáveis para a boa performance do jogo, não eram peças fáceis de serem manuseadas e prejudicavam o seu reconhecimento, consequentemente, comprometiam a leitura do jogo.

A escolha do modelo de peças era motivo de constante discórdia entre os jogadores. Quando disputavam uma partida, precisavam antes entrar em comum acordo sobre qual modelo de peças utilizar, pois os jogadores se adaptavam a um modelo específico e se sentiam prejudicados quando disputavam com peças que não estavam acostumados. Os modelos mais conhecidos da época eram o St George, Calvert, Edinburgh, Lund, Merrifield.

Modelo de peças Calvert

O modelo Staunton

Todos os modelos de peças de xadrez eram de domínio público, qualquer pessoa que projetasse um novo modelo de design de peças e o reproduzisse comercialmente não conseguiria garantir a exclusividade de sua criação. Isso mudou em 1849, ano em que foi criado um modelo específico, o primeiro registro que se tem de uma propriedade de design de peças de xadrez, o modelo Staunton.

O fabricante de brinquedos de Londres, John Jaques of London, conhecido como “Jaques of London”, que já fabricava alguns modelos para alguns varejistas, ciente do problema da variedade de estilos de peças de xadrez e seus problemas técnicos, propôs a padronização por meio de um novo formato de peças. Convidou seu cunhado, Nathaniel Cooke, com a proposta de projetar um modelo com elementos que tornassem as peças de xadrez mais ágeis e de fácil identificação. Como pré-requisito, a proposta exigia que o modelo fosse de fácil fabricação industrial.

Não está muito claro o papel de cada um no projeto, mas ao que parece, Nathaniel Cooke ficou encarregado do projeto de design, além da preocupação com os atributos técnicos que garantiam a boa mobilidade das peças, visibilidade e fácil identificação, Cooke buscava a criação de belas proporções, e para isso, se inspirou na arte e arquitetura grega. Usou como referência as colunas gregas para construir a base padrão de todas as peças do conjunto.

As colunas gregas: Dórica, Jônica e Coríntia. Inspiração para a base das peças

Muito provavelmente, Cooke se inspirou em uma escultura do Partenon em que cavalos são representados puxando a carruagem de Selene, a Deusa da Lua, para construir sua peça de maior referência dentro de seu projeto de design, o cavalo, a peça mais figurativa e detalhada de um conjunto de peças de xadrez. É pela qualidade do desenho do cavalo que se identifica a qualidade das demais peças.

Escultura localizada no Partenon: Cabeça de um cavalo da deusa Selene

Manteve alguns detalhes característicos de outros modelos de design, como o corte no topo da peça, que representa o bispo (a mitra, usada por autoridades da Igreja Católica) e a cruz como representação cristã na coroa do Rei.

Modelo Staunton

O resultado é a criação de um sistema de design de peças com proporções harmônicas e compactas que seguem requisitos técnicos para garantir a mobilidade das peças no tabuleiro. A altura do rei, por exemplo, segue a proporção de duas casas do tabuleiro, já a altura das demais peças seguem uma ordem decrescente em relação ao rei: dama, bispo, cavalo, torre e peão. Originalmente, foi utilizado o marfim e a madeira como materiais para a reprodução dessas peças, posteriormente, apenas a madeira passou a ser utilizada.

Cooke registrou seu projeto no Escritório de Patentes do Reino Unido em 1 ° de março de 1849.

De onde vem o nome Staunton?

Após o registro da patente do novo modelo, Jaques of London e Nathaniel Cooke precisavam divulgá-lo. Cooke também trabalhava como editor do The Illustrated London News, mesmo jornal em que o grande mestre Howard Staunton escrevia uma coluna periódica sobre xadrez. Cooke então teve a ideia de pedir a Staunton que passasse a endossar o novo modelo criado e associar sua imagem ao formato padronizado de peças. Foi uma das primeiras experiências conhecidas sobre a exploração do nome de uma pessoa associada a um produto.

Staunton é considerado um dos mais fortes enxadristas do mundo entre 1843 a 1851. Nesse período, os dois países protagonistas no xadrez eram a Inglaterra e a França. Staunton havia disputado uma partida com o francês Pierre de Saint-Amant e fora derrotado.

Staunton desafiou então Pierre de Saint-Amant para uma revanche. Nessa segunda partida de 1843, Staunton vence o francês em Paris, a partida foi registrada por vários jornais da época, o que levou o xadrez a se tornar ainda mais popular devido a performance do próprio Staunton, que se tornara uma celebridade enxadrística.

Depois do acordo com Nathaniel Cooke, Staunton passa então a promover o novo padrão de peças que levava o seu nome. Outras empresas passaram a copiar, realizando pequenas modificações, utilizando material mais barato e tentando se passar pelo original. Porém, o modelo Staunton era o único com a assinatura e selo de garantia verificando que aquele era o modelo original.

Caixa do modelo Staunton com certificado de autenticidade

Esse modelo se eternizou, é uma das experiências mais bem sucedidas na área do design industrial. Desde o registro, em 1849, até o dias atuais, pouquíssimas alterações foram realizadas, é um modelo atemporal.

A FIDE (Fédération Internationale des Échecs) adotou as peças Staunton como modelo oficial internacional em 1924, essa também é uma das razões pela sua alta adesão e popularidade. Todos os jogadores, todas as competições internacionais adotam o modelo Staunton até hoje.

--

--

No responses yet